Texto: Benjamim Cristiano e Fastudo Chavane
Foi na juventude que nutriu o sonho de construir uma instituição superior dedicada à comunicação e informação, algo que teria a sua corroboração em 2008, quando se tornou co-fundador da Escola Superior de Jornalismo (ESJ). Tomás José Jane foi o primeiro doutor formado em Ciências da Comunicação no país.
Desde a criação da ESJ, em 2008, até o ano 2024, Jane foi o director-geral da instituição, que hoje é uma referência no ensino de comunicação no país.
Trata-se de um homem de trato fácil, não esconde a humildade que carrega. Cada gesto denuncia a sua simplicidade. O professor doutor revela que uma das suas grandes paixões é, e sempre foi, capturar momentos através da lente de uma câmera fotográfica. Por isso, tem um vasto arquivo que serve de leito para as fotografias (analógicas e modernas) coleccionadas ao longo dos anos. Considera a sala de aula um dos seus locais favoritos, pois é lá que encontra sossego necessário para o seu coração, “é onde crio mais amigos”, revelou.
Sente-se realizado, mas não a 100%. Devido à falta de fundos suficientes, o desejo de publicar livros, em formato físico, das pesquisas que tem feito durante anos, continua adiado para uma data incerta. Entretanto, sente-se orgulhoso da vida que tem.
Em entrevista exclusiva à Revista COMARP, Tomás Jane “navega na maionese” e fala dos desafios da educação em Ciências da Comunicação no país, a sua evolução nas universidades e também sobre a relação entre o conteúdo académico e as necessidades do mercado. Acompanhe, na íntegra, a seguir.

COMARP: Olhando para as instituições de ensino superior no país, quais são as principais características dos cursos de Comunicação e Marketing oferecidos pelas universidades em Moçambique?
Tomás Jane: Bem, primeiro, eu teria dificuldade de falar das características dos cursos de Comunicação e Marketing oferecidos pelas universidades no país, porque cada universidade tem o seu programa e currículo do curso de Marketing, de Publicidade ou de Relações Públicas. Então, eu teria muita dificuldade em falar sobre aquilo que é o global sobre as universidades, porque não existe um currículo único sobre cursos de Comunicação. Pode acontecer que um currículo e outro tenham algumas matérias ou disciplinas quase iguais, mas, em termos de conteúdo global de cada curso, há diferenças, assim como nos objectivos da formação. É um TPC que vocês (COMARP) estão me dando, até porque já vinha fazendo um plano de realizar um estudo sobre o ensino de Ciências da Comunicação em Moçambique.
COMARP: O mercado para onde vão os profissionais formados é praticamente o mesmo. Não seria uma desvantagem para o sector ter várias instituições a formarem profissionais de Comunicação, Marketing e Relações Públicas em Moçambique, sendo que cada instituição tem o seu plano e currículo individual?
Tomás Jane: Eu diria que não, porque a área de Ciências da Comunicação em Moçambique é nova. Sendo nova, a cada dia que passa vamos encontrando novas formas de elaboração de programas para o seu desenvolvimento. Não é uma desvantagem, porque a visão de cada instituição é diferente em relação ao ensino nessa matéria.
Comecei a fazer a elaboração de um “currículo base”, que pode ser chamado de “tronco comum”, a ser adoptado por várias universidades. Esse currículo ajudaria muito na mobilidade estudantil. Ou seja, por exemplo, alguém está a fazer o curso de Relações Públicas na Universidade Licungo, mas quer transferir-se para continuar o seu curso na Universidade Pedagógica ou na Escola de Comunicação e Artes (ECA) da Universidade Eduardo Mondlane, em Maputo, ele poderá sair de lá com certidão de ter frequentado o curso e com as respectivas notas e número de créditos. Isso vai permitir que chegue à ECA, Escola Superior de Jornalismo (ESJ) ou Universidade Pedagógica, ou onde ele preferir, e não vai perder aquelas disciplinas do “currículo base”. Vai dar continuidade fazendo apenas as disciplinas específicas adoptadas pela instituição, mas as que fazem parte do currículo base, se ele já fez lá, não vai perder nada. Isso seria bom para os estudantes. A vantagem seria esta, não olhando só para a desvantagem.
COMARP: Considerando que a área de Ciências da Comunicação é nova no país, como é que olha para a evolução desta a nível nacional?
Tomás Jane: As universidades contribuem para essa evolução no país. Eu olho para isto como um ponto bem positivo. A história do ensino de Ciência da Comunicação no país me mostra que, como ciência, começa exactamente em 1996, com a criação do curso de Comunicação pelo Instituto Superior Politécnico e Universitário, que hoje é Universidade Politécnica. Foi a primeira universidade a introduzir o ensino de Ciências da Comunicação, apesar de, nessa altura, haver uma instituição que ensinava cursos de Jornalismo, Relações Públicas e Publicidade a nível médio, que é a Escola de Jornalismo (EJ). Ou seja, era uma formação apenas média, mas, como ciência a nível universitário, começa exactamente em 1996, com o ISPU, uma universidade privada. A nível da universidade pública só em 2004, com a Universidade Eduardo Mondlane, quando cria a ECA (Escola de Comunicação e Artes). Eram, nessa altura, as duas universidades que ofereciam cursos de graduação nessa área de Ciências da Comunicação. Aparece como terceira instituição, a ESJ, em 2008.
Com a existência destas três instituições, oferecendo formações em Jornalismo, Relações Públicas, Publicidade e Marketing, a evolução começou a notar-se porque vários pesquisadores começaram a surgir, várias instituições de ensino nessa área também. Hoje, temos também a Universidade Pedagógica e a Universidade Zambeze, que já introduziram o curso de Ciências da Comunicação. Então, isso significa que esta área está a crescer, está a evoluir. E existem produções científicas sobre assuntos ligados à comunicação. Temos hoje a Associação Moçambicana de Ciências da Comunicação e Informação (CISCOM), a Associação de Profissionais de Relações Públicas (APRM), o Fórum COMARP e agências profissionais como Golo, a mais antiga no país. Temos também a INTERMARK e várias. Temos revistas e livros publicados por pesquisadores moçambicanos destas áreas e, daqui a pouco, teremos o lançamento do primeiro livro produzido na Escola Superior de Jornalismo, resultado da Conferência de Ciências da Comunicação e Informação, realizada em 2023.
Posso dizer de boca cheia que, em 2006, havia uma pessoa com nível de doutoramento em Ciências da Comunicação no país e, hoje, são cerca de 30 doutores.
COMARP: No seu entender, quais são os desafios enfrentados pelas universidades de Moçambique na formação de profissionais de Comunicação e Marketing?
Tomás Jane: Os grandes desafios na formação em Ciências de Comunicação são as infra-estruturas. Tudo bem que podemos dizer que a ECA, a Universidade Pedagógica e a Universidade Politécnica as têm. Entretanto, são espaços que cabem àquilo que é a instituição hoje, mas e o amanhã? Por exemplo, a ESJ não tem instalações próprias, tem feito tudo o que vem fazendo usando edifícios alugados.
A área das Ciências da Comunicação e da informação é vasta. Temos muitas especialidades desta área que não estão sendo dadas. Em todas universidades, só se fala de Jornalismo, Relações Públicas, Publicidade e Marketing. Há outras universidades que até dão cursos de teatro, música, cinema, entre outros. Então, havendo espaços para o ensino de Ciências da Comunicação, teremos várias especialidades no país.
COMARP: Olhando para esses desafios que aqui elencou, tendo sido até bem pouco tempo director-geral, de que forma os cursos de Comunicação oferecidos pela Escola Superior de Jornalismo preparam os estudantes para as exigências do mercado de trabalho actual em Moçambique?
Tomás Jane: Os desafios do mercado não podem ser supridos na totalidade. Mas, para o caso particular da Escola Superior de Jornalismo, a cada 5 anos tem-se feito a revisão do currículo, adaptável às exigências do mercado. Para isso, faz-se pesquisas junto às entidades empregadoras.
Por outro lado, existem instituições que têm no seu quadro de funcionários pessoas que fizeram o curso na ESJ. É deste modo que a ESJ procura saber a avaliação que estas empresas fazem em relação aos antigos estudantes da ESJ, e também o que as empresas gostariam de ver feito na academia. É aí onde já se volta e elabora-se o plano curricular, olhando as contribuições de cada empresa. É claro que é difícil satisfazer todos os planos das empresas.
Neste momento, decorrem trabalhos de criação de banco de dados contendo todos os estudantes que já passaram pela nossa instituição, para saber onde eles estão e o que fazem, porque existem muitos que fizeram o curso, mas não estão a exercer suas profissões nessa área. Então, que contribuição a formação lhes dá na sua formação?

COMARP: Há uma integração suficiente entre o conteúdo académico e as necessidades do mercado?
Tomás Jane: Integralmente não, porque existem aquilo que são as necessidades do mercado e existe aquilo que é a ciência. Não podemos olhar apenas para aquilo que as empresas querem e esquecermos o lado científico da coisa. É a partir do científico que desembocamos nas necessidades do mercado.
COMARP: Como é que a Escola Superior de Jornalismo lida com a evolução constante das novas tecnologias e plataformas de marketing digital nos seus currículos?
Tomás Jane: O novo currículo, que acredito que vai ser aprovado ainda neste primeiro semestre, dá mais ênfase à questão da exercitação prática ainda na instituição. Os bibliotecários, por exemplo, podem fazer as suas práticas ajudando a sua instituição a organizar melhor o seu arquivo e a biblioteca.
Os jornalistas (estudantes de Jornalismo) podem participar na produção de revistas laboratoriais, jornais laboratoriais, newsletters, assim como outros poderiam alimentar a própria página de internet. Os de Relações Públicas poderiam criar uma espécie de agência de Relações Públicas dentro da própria instituição, que vai abrir espaço para os estudantes fazerem práticas simulatórias.
Na área de Publicidade, criar-se-ia uma pequena agência incubadora que permita com que os estudantes de Publicidade e Marketing realizem suas simulações ou seus projectos experimentais naquele espaço. Entretanto, tudo isto exige espaço para que cada curso tenha seu laboratório. A escola tem de estar à altura de responder primeiro à exigência interna, para depois preocupar-se em responder às exigências externas. Vestir as calças e a camisa à medida certa (risos).
COMARP: Em 2023 tivemos o caso da 1ª edição do jornal “Folha Académica”, um projecto coordenado por docentes e executado por estudantes, ambos da ESJ. Podemos sonhar com uma agência de Marketing ou Relações Públicas num futuro não muito distante na ESJ?
Tomás Jane: O desafio maior é criar agências.
O Centro de Comunicação e Produção Mediática, da ESJ, tem isso no seu plano, e a direcção anterior havia já aprovado. É um sector de impressos. É nesse Centro de Formação e Produção Mediática que se desenha a criação de pequena agência de Publicidade e Marketing e/ou Relações Públicas.
COMARP: Como é que a Escola Superior de Jornalismo garante que os estudantes tenham acesso a estágios ou oportunidades práticas que os preparem para o mercado de trabalho?
Tomás Jane: Os estágios são obrigatórios. Se um estudante não faz o estágio e termina o curso, é um erro. O estágio não é remunerável, porque faz parte daquilo que são as obrigações curriculares. Em cada início do segundo semestre, a escola solicita vagas de estágio às empresas parceiras. Aliás, algumas empresas não esperam pela solicitação da escola; são elas que solicitam um certo número de estudantes para o estágio. Outro aspecto, é que outros estágios são conseguidos pelos próprios estudantes que contactam as empresas que acham que devem contactar, porque se alinham à inclinação profissional que pretendem seguir. Daí, informam a escola para credenciar ou passar a declaração. Por fim, terminado o estágio, o estudante deve trazer o relatório e a avaliação da própria empresa.
O estágio cria um movimento de experimentação e autocorreção, tanto a nível do próprio estudante como a nível da própria instituição.
COMARP: Doutor, olhando para o papel da formação no desenvolvimento do sector, quais são as perspectivas que tem para a educação em Comunicação e Marketing em Moçambique? O que, no seu entender, deve mudar nos próximos anos?
Tomás Jane: Fico engasgado (risos), porque não sei quais planos o governo tem com relação ao ensino de Ciências da Comunicação.
Penso que deve haver um plano estratégico das Ciências da Comunicação no país, com objectivos claros, e que se ensine não só para encher o número, mas também a qualidade.
É preciso que se olhe a área da comunicação de forma positiva. Por isso, o governo deve encontrar espaço no seu plano quinquenal para que esta área seja vista como importante para o desenvolvimento do país, isso porque não há desenvolvimento sem comunicação.